26.5.09

"A vida como ela é..." de Nelson Rodrigues



 Seleção de 100 contos publicados nos jornais cariocas Ultima Hora (década de 50), e Diário da Noite (década de 60). Na maioria deles, triângulos amorosos, paixões mal-resolvidas e um desfecho trágico: o óbvio.
 Requisitado por Samuel Wainer (Ultima Hora) , o autor de Vestido de Noiva e Anjo Negro, retrata com um tom ficcional os rebolados do cotidiano. Talvez, Nelson Rodrigues nos tenha caracterizado por completo dentro desta seleção; seu olhar romântico em nossa derroca social remete constantemente a uma comédia de erros, mentiras, medos e vinganças. 
 Por ventura, ainda não estou pronto a dissertar sobre Nelson, o gênio, mas não o chamarei de O Anjo Pornográfico.
 
 Com a palavra, o autor: "o homem não nasceu para ser grande, pois um mínimo de grandeza já o desumaniza".

NOVO PARTO 

No dia que d. Flávia ia ter o oitavo filho, os nervos de seu Macário estavam em pandarecos. Veio, chamada às pressas, a parteira, que era uma senhora de cento e trinta quilos, baixinha e patusca. A parteira espiou-a com uma experiência de mil e setecentos partos e concluiu: "Não é pra já!". Ao que, mais do que depressa, replicou seu Macário:

— Meus dentes estão doendo!

E, de fato, o grande termômetro, em qualquer parto da esposa, era a sua dentadura. A parteira duvidou, mas, daí a cinco minutos, foi chamada outra vez. Houve um incidente de última hora. É que a digna profissional já não sabia onde estava a luva. Procura daqui, dali, e não acha. Com uma tremenda dor de dentes postiços, seu Macário teve de passar-lhe um sabão:

— Pra que luvas, carambolas? Mania de luvas!

Extraído do livro "A vida como ela é...", Companhia das Letras- São Paulo, 1992, pág. 39.

[A imagem do livro é da edição lançada pela editora Agir]